Vem, Juliana!"
Não sei quantas vezes me chamaram porque estava dormindo. Aliás, não imaginei que viessem tão rápido me socorrer, afinal, dizem tantas coisas sobre o valor da nossa vida.
"Vem, me dê a sua mão!
Estou tão fraca, mas meus olhos se enchem de encantamento quando vejo um homem praticamente flutuando à minha frente.
Que fantástico!
Então, é isso que essas empresas super poderosas fazem?
Claro!
Se eles são capazes de enviar pessoas para passear no espaço, podem fazer salvamentos como o meu.
"Entre, Juliana!"
De repente sou içada para uma espécie de nave transparente e imediatamente o frio desaparece, me sinto aquecida, amada.
É, o amor sempre foi uma incógnita para mulheres como eu, talvez por isso quis amar o mundo e sua natureza exuberante.
Mas ser salva vai me fazer repensar o meu conceito de humanidade.
"Beba isso, Juliana!"
Céus!
Nunca bebi algo tão incrivelmente bom quanto essa água cristalina. Estou em êxtase!
Aliás, amo como ele diz o meu nome, pausadamente, dando ênfase à minha identidade.
Eu sei que é uma forma de mostrar que eu sou importante. Aqui entre nós, confesso que por alguns bons minutos imaginei que seria deixada para morrer à míngua.
Se aqueça, Juliana!
Que bobagem a minha! Quem deixaria um ser humano morrer sozinho diante das lentes do mundo. Seria muito cruel!
Até uma mulher negra feito eu merece alguma dignidade. Não que me ache inferior, eles acham.
O mundo estaria mudado?!
O frio que atravessava meus ossos desapareceu.
A quem eu terei que agradecer?
"Coma um pouco, Juliana!"
O guia me deixou para trás.
O grupo me deixou pra trás.
Mas eu não vou dizer isso pra ninguém. A vida do guia já é complicada demais. O trabalho é dificílimo! Escorchante é a palavra. Caminhar quilômetros com uma super carga nos ombros e ainda ter que vigiar um grupo de pessoas tão diverso entre si e tão exigente. É claro que ele escolheria cuidar da "gringa padrão", eurocidental, aquela que importa aos olhos do mundo.
Agora o grupo, o grupo errou feio comigo.
Por que ninguém perguntou por mim?
Ninguém sentiu a minha falta?
Ninguém lembrou da minha presença iluminada?
Uma pessoa seria suficiente.
Uma única pessoa!
Por isso que eu sempre fui arredia com essa ideia de grupo.
Quem está lá, de fato, quando a gente precisa?
E a menina das selfie? Aquela com quem dividi a minha comida, o meu riso, o meu tempo! E tempo é vida, hein!
Vou repensar muita coisa quando voltar.
"Descanse em paz, Juliana"
Como é doce essa voz. Como é doce essa presença. Entraram algumas crianças, são ucranianas. Estão meio perdidas. Pouco depois, Mulheres palestinas em pranto.
Em seguida homens iranianos.
O grupo só aumenta.
Brasileiros? Cariocas! Jovens negros cariocas, que tudo!
Mas, espere aí...quem aquela?
A minha bisa?!
Mas ela não tinha morrido há10 anos?