Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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NEM UM DIA DE ALÍVIO

 

 

 Ela não teve dúvidas quando a febre do bebê superou o aceitável. Colocou- o sobre o ombro feito um pacotinho, tomou o elevador e correu à farmácia em frente ao edifício.

 

Justo naquela noite estava sozinha. Atravessou a rua atrapalhando os carros.

Quando avançou pelos portais da farmácia viu diante de si uma muralha de olhos que a perscrutavam daquele jeito.

Foi quando se deu conta de que estava sem a sua máscara.

 

Havia três meses que ocupava um cargo importante em Brasília. Do recôncavo baiano voou direto para o centro do poder. Pousou justo na Asa sul. Lembrou-se do comentário da conterrânea: "Em Brasília as pessoas se arrumam até para comprar pão."

 

O segurança se aprumou e pôs as mãos sobre o cacetete. Ou era uma arma? Por certo, o volume nos ombros dela lhe pareceu outra coisa. Ele a olhava daquele jeito. Ela avançava cautelosa.

Passou diante de um espelho e observou os cabelos soltos desgrenhados. Supôs então que a trança teria caído durante a corrida. Viu a alça do sutiã frouxa e a camiseta esgarçada com respingos de leite. Acabara de amamentar.

O corredor lhe pareceu intransponível. Um atendente seguia em seu encalço entre as prateleiras enquanto as suas próprias pernas pareciam puxar bolas de ferro. Era como se caminhasse para o pelourinho. O outro. Viu-se refletida nas lentes dos óculos do rapaz. Seus lábios e nariz refletiam enormes.

Quando chegou ao balcão, foi atendida pela mesma mocinha de sempre, que não a reconheceu. Agora ela a olhava daquele jeito e ríspida indagava: o que você quer? As expressões de cortesia e deferência,  como era o costume, desapareceram. A moça fitava os pés dela, que só depois percebeu que havia trocado os pares de chinelos, usava a seu próprio e o do marido.

Respondeu baixinho, para não despertar o bebê: Alivium!

E estendeu o cartão Black infinity, mas viu que esquecera o RG. O gerente a olhava daquele jeito quando pegou o celular. Todos se aproximaram dela de forma intimidadora. De repente ouviu-se um estampido, algo despencou da prateleira atrás de si. O ruído despertou o bebê, que se desvencilhou da coberta e expôs ao mundo sua cabeleira de cachinhos dourados.

 

Agora sim, ela não tinha mais dúvidas de que eles chamariam a polícia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 21/05/2025
Alterado em 21/05/2025
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