Ontem, no passeio público, avistei-o ao largo.
Seguia apoiado em suas muletas, cada qual suportando uma ilusão da vida, que ele imagina levar.
Gesticulava à ermo, braços em hipérboles pelo ar, não havia ninguém a sua volta, exceto seu próprio ego inflado. Enrubesci diante da fragilidade da cena, pois ele era, agora, uma medula exposta à hostilidade da vida. Esgueirando-me por detrás dos carros estacionados, o segui por mais dois quarteirões, até um pequeno bar, onde o esperava uma jovem puta pobre, daquelas descritas por García Márquez. Foi aí que o desfecho deu-se: ela tirou da bolsinha o soldo da noite e ofereceu a ele, que continuava a gesticular, dando ênfase às histórias de progresso e vitórias com as quais se iludia. Ela pagou a ele um café e um pãozinho com manteiga. Só então ele se calou, devorando a realidade com a tristeza da fome.
Adelaide Paula
Bsb, 21 de novembro 2021
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