Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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CONSTELAÇÃO FAMILIAR
É certo que havia amor entre eles, era certo que sim. Mas, talvez teria sido melhor deixar aquele flerte pra lá ao invés de entabular um bate papo que deu origem ao primeiro encontro e logo outros que levaram a um noivado e depois o casamento. Se tivessem ficado pelo caminho, não teriam trazido para dentro da família que se formou, todas as cicatrizes de uma existência precária. Ele, um mulato bem apessoado, de uma família tanto numerosa em crias quanto em pobreza, já vinha desde mocinho angariando histórias de rejeição e racismo. Pobre José, tornou - se um homem perturbado. Ora introspectivo e calado, ora exaltado e falante. A voz doce, de uma hora para outra, podia transformar-se em trovoada, berrando impropérios aos quatro cantos diante de qualquer aborrecimento, como por exemplo, quando o seu time perdia. Nesse dia, saía quebrando as coisas pela casa, jogando no lixo os souvenirs de campeonato. A brutalidade do pai logo passou para os filhos que não sabiam conversar e discutiam um sobre a fala do outro numa confusão sem fim. Enquanto isso, a mãe, uma branca tão miserável quanto o marido, trazia memórias de uma infância de parvoíce. Relegada ao plano da submissão, vivia em meio às cachaçadas de sua progenitora e os serviços domésticos, feitos aqui e ali, para uma tia rica que a "adotou" temporariamente, mas que nunca lhe deu as mesmas regalias de suas próprias filhas. Era mais uma empregadinha das primas que qualquer outra coisa. Talvez, todos acreditassem que a menina da roça nem percebia a discriminação que sofria. Mas, depois de velha, Maria repetia as memórias da época em que fora serviçal das primas. Ou lembrava- se do tempo em que sequer tinha condições de cuidar da própria higiene, visto a penúria em que vivia. Tornou-se uma mulher de oração e buscava na fé a força para tocar adiante aquela cruz que sua família se mostrava. De um lado, um marido bom, mas bruto e agressivo. Do outro, uma renca de negrinhos bons, mas briguentos. O bem e o mal, herdados dos pais, impregnaram naquelas pequenas vidas e com elas cresceram. Como sempre o bem é discreto, mas o mal ecoa. Foi assim que na vizinhança onde cresciam, todos já comentavam das brigas monumentais dos irmãos entre si e com os pais. Nada era tão grave, nada era urgente ou de grande complexidade. Eram probleminhas cotidianos que viravam uma tempestade ainda que num copo d'água. Eram irascíveis como o pai e nada rancorosos como a mãe. Por isso, era comum que se perdoassem logo após uma pendenga. Mas, os estragos foram ficando pelo caminho. Uma briga aqui, uma discussão acolá; uma palavra impensada mais adiante. A confusão estava criada. Agora as crianças já eram homens e mulheres e os pais bem mais velhos queriam sossego, algo que os filhos sequer cogitavam. O vício do conflito estava arraigado como uma herança maldita. A essa altura, os pais já faziam um meia culpa pela falha na criação dos filhos. De fato, reconheciam - as crianças foram mal educadas. Afinal, o fruto nunca cai longe do pé. Quando a conta começou a chegar, o pai adoeceu profundamente e após meses de penúria, morreu. A mãe ficou por ali, segurando as pontas, ajudando um, socorrendo outro, mas a si mesmo não socorreu. Infartou no meio da sala durante uma daquelas discussões inúteis. Os filhos ficaram feito formigas quando algo atravessa seu caminho. Perdidos. Cada um do seu jeito foi tomando forma na fôrma dos pais. Bondade e maldade. Doçura e brutalidade. Agora, vinham os filhos dos filhos.

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Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 28/09/2018
Alterado em 28/09/2018
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