Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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ENTRE MISSAIS E BROQUÉIS NÃO ENCONTREI JESUS
• Eu estava sentada no segundo banco da igreja, bem em frente. Um lugar estratégico para participar da comunhão e sair logo da missa, antes que se começassem aqueles salamaleques de fim de domingo. Em minhas secretas orações tentava me encontrar com Deus em meio aos louvores e o perfume de rosas. Mas, uma certa inadequação tomava conta de mim e eu me julgava todo tempo. Meu pensamento corria do passado ao presente, fazendo um inventário da vida em um segundo. Pensamentos fluidos seguidos por digressões profundas sobre a existência e o sentido de existir. O padre, na porta, ainda cumprimentava os fiéis que chegavam bem arrumados para o último compromisso dominical. Eu que não costumo olhar para as pessoas na igreja - uma forma que encontrei para não dispersar- comecei a olhar um a um quem chegava. Contei logo de cara oito casais. Meus pés suaram dentro do sapato que por alguns segundos me pareceram apertados. Quando vi o padre seguindo para a sacristia, dei um suspiro de alívio, parecia que enfim teríamos o começo do sacrifício dominical. Deus, que heresia! Pensei. Mas, justo naquele domingo tudo me parecia inadequado. A começar pelo último casal, aquele cuja senhora usa sempre um véu sobre a cabeça, mesmo não existindo a necessidade de cobrir a cabeça como as mulçumanas o fazem. Essa mulher que se inclina e se benze de um jeito que não é o nosso jeito. A tal que é esposa daquele homem que passou por mim outro dia longe dali e me lançou um olhar sedutor. Na ocasião, eu me preparei para dizer: "_ Eu te conheço; você é marido da mulher do véu, aquela que não pode descobrir a cabeça." Acho que ele ficaria constrangido, não comigo, mas com a mulher que se quer mais pura do que realmente é. Desviei o olhar para que ele não me visse e tentei me fiar naquela oração inicial. Foi quando notei que havia uma outra jovem mulher ajoelhada por horas diante de uma imagem de Nossa Senhora. Estava mais estática que a própria estátua. Aquilo sim era um sacrifício. Desses que humilha qualquer fiel. Eu e mais a congregação inteira nos sentíamos pecadores infiéis diante de tal beatitude. A missa ia se desenrolando e a dona não se mexia. Agora também o padre já a observava. De repente, quando ela se levantou - para o alívio da assembleia- tomou um outro lugar e começou a fazer uns gestos estranhos com as mãos. Imediatamente comecei a pensar que essa senhora era como aquela outra do véu. Estavam para além da nossa vã religiosidade. Olhei o padre e percebi ele não estava feliz com aquilo. A mulher insultava a nossa pequenez, introduzindo ritos estranhos aos nossos, de alguém que se tornara PHD na fé. Minha roupas comecaram a retorcer e grudar no corpo. Eu queria ir embora dali. Ir pra minha casa encontrar Jesus. Era óbvio que Ele não estava ali. Eu suava frio, o padre fazia cara feia, a esposa do véu se aspergia e a mulher jovem intensificava seus códigos secretos. "Ô, meu Deus! Eu só queria um momento de comunhão contigo" - Eu dizia - Era a noite dos inadequados. Fiquei com medo de cair no chão, possuída por algum demônio e temia que se iniciasse então um efeito dominó, arrastando atrás de mim a mulher do véu, a estranha dos ritos e o pobre sacerdote. Quando o padre pôs fim ao culto, saí aliviada e corri para casa, à procura de um lugar tranquilo para rezar.
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 25/09/2018
Alterado em 25/09/2018
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