O ÚLTIMO A SABER
Enquanto seus pés não ficavam quentes não conseguia dormir e na época do frio intermitente nada lhe trazia calor. E agora, as pessoas lhe pareciam tão indiferentes. No trabalho, ocupava sua mesa, enquanto observava os colegas indo e vindo sem lhe dirigir um olhar sequer. Aquela pilha de papéis diante de si não diminuía, era certo que alguém na sua ausência acrescentava um novo documento, provavelmente para fazê-lo parecer incompetente. Suspeitava de todos. Desde que recebera a promoção, tinha uma rotina exaustiva, virando a noite sobre processos, dormindo tarde e acordando cedo. Subsistia sustentado por pílulas, cafeína e drogas excitantes. Mantinha uma produção invejável, entregando em tempo recorde pareceres completos e impecáveis. Mas, sentia o peso do sucesso no olhar invejoso a sua volta. Até mesmo em seu edifício, os vizinhos eram indiferentes, inclusive o porteiro, antes cheio de mesuras, andava agora distante e silencioso. Por duas vezes percebeu que ele jogava sua correspondência no lixo, isso explicaria a ausência das cartas da família. Estava disposto a ver até onde ele iria como um defraudador da intimidade alheia. No escritório, as coisas pioravam, não bastasse a peperseguição dos colegas, também a copeira não lhe servia café, sequer limpava a sua mesa. Estava refém de uma pilha de papéis empoeirados. Diante disso, só saía do trabalho depois que todos fossem embora para evitar o constrangimento ao perceber que ninguém dele se despedia. E foi assim, deixando o prédio bem mais tarde que viu Lourdes caminhando vagarosamente em sua direção. Quando já estavam paralelos, o olhar dela fitou o seu numa sutil piscadela. Não teve tempo de retribuir, mas sentiu-se muito aliviado ao saber que a notícia da morte da moça, tão alardeada na firma, não passava de fake news. Seguiu tranquilo, caminhando para casa, incomodado apenas pelo frio que nunca cessava.
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Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 29/05/2018
Alterado em 29/05/2018
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