Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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GUEIXA
Era início da primavera quando as cerejeiras começaram a florescer. Kimiko San abria os olhos lânguidos sob a seda vermelha que deslizava no futon. O silêncio era cortado de tempos em tempos pelo tilintar da cerâmica de onde exalava um aroma suave de flores e ervas. Ela perscrutava o quarto dourado através dos véus que ladeavam a cama. Via luxuosos vasos chineses e seus ideogramas, as lanternas vermelhas iluminando suavemente o recinto cujas cortinas pesadas não permitiam a passagem da luz do sol. Ficava curiosa sobre o conteúdo daquelas inúmeras caixinhas dispostas sobre a cômoda de marfim. Também os bonsais que adornavam a mesa de centro eram admiravelmente perfeitos, árvores gigantescas e ancestrais reduzidas ao espaço de polegadas, algumas carregadas de frutos e flores. Entre elas, sobre suportes de apoio, as Ikebanas. Uma para cada canto do cômodo como ensina o Feng Shui. O material da arte do Shodo organizado sobre um grande tablado cujos pés reluziam adornados por pedrarias incrustadas na madeira. De repente, viu seu quimono largado no sofá e sobre ele seus ornamentos de gueixa. Ruborizou-se. Sentiu - se nua, então. Uma outra forma de nudez. Era a primeira vez que acordava depois de seu amante. Era a primeira vez que dormia na casa dele. E antes que pudesse correr para suas vestes, ele entrou na alcova ao que ela se encolheu, deixando apenas uma pequena fresta no lençol por onde acompanhava seus movimentos. Era bonito, muito bonito. Seu caminhar, suave e cuidadoso. Não fosse a louça que carregava na bandeja, provavelmente, não teria escutado sua chegada. A mesinha onde depositou as xícaras ficava diante da cama. Observou-o realizar o ritual do chá. Pacientemente. E, depois de pronto, sorver a bebida com prazer, organizando os utensílios, para em seguida caminhar até a harpa na qual dedilhou uma tradicional canção japonesa. Sob a seda, dos olhos dela escorria uma silente lágrima soluçante. Foi quando decidiu sair do casulo de seda. Enrolou-se no lençol e caminhou para fora da teia de véus. Sem o Gueta, seu usual tamanco, era uma figura pequena, muito delgada, envolta numa cabeleireira negra, de longos fios. Seus pés, assustadoramente miúdos, caminharam até a poltrona. Quando ia recolher a indumentária, de súbito, viu-se erguida do chão por ele. Embalada de um a outro lado tal qual uma criança de colo. Ele olhava em seus olhos profundamente enquanto beijava seus lábios. Levando- a à mesa do desjejum anunciou o fim de seus dias de gueixa e o começo de uma vida em comum.
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 17/05/2018
Alterado em 19/05/2018
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