Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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DESFEITO O NÓ A VIDA SEGUE
A correntinha deu um nó, daqueles típicos nós que só correntinhas sabem dar, na fricção do cabelo com o pescoço. A moça fez um movimento contínuo para se certificar daquilo que já sabia. Torceu o pescoço para baixo, colou o queixo no colo, o mais próximo possível e viu a figura turva de um nozinho intrincado. Procurou um espelho que espelhou o espetáculo. Um mínimo e minúsculo nó bem feitinho,  apertado. Deu uma baforada como um cavalo bravo, olhou no relógio, já estava atrasada. Poderia escolher desfazer aquele malfeito com paciência e cuidado, mas qual o quê, seguiu a vida sem pensar na insignificância daquele obtuso defeito. O tempo passou como sempre passa e,   muitas nuvens depois, a moça já carregava no pescoço meia dúzia de outras correntinhas, e entre elas, o nó daquela primeira a muitos outros nós se juntou. E à agonia do primeiro dia, uma outra se somou. Aflição e sufocamento, misto de ansiedade e pavor. Como uma constelação de vidas intrincadas, passado comprometendo o presente e inviabilizando o futuro. O nó não desatado lá atrás, esquecido, desvalorizado, comprometeu outras vidas nessa vida acorrentada. Pelas madrugadas, a moça acordava requerendo ar. Às vezes, sonhava sendo estrangulada ou decapitada numa cerimônia de horror. Perdendo o sono, perdeu saúde, perdeu a cor. Como doente não tinha graça, não tinha amigos, tão pouco amor. Uma tragédia se desenhava a seu redor, até que um dia, alguém lhe disse: " Moça, não dá para seguir em frente sem olhar para trás. Faça uma oração, busque orientação, qualquer sabedoria que desate o nó do seu coração. E aquela palavra, dita sem nenhuma pretensão, destapou seus ouvidos e repercutiu em seu corpo inteiro. Imediatamente, começou a retirar os adereços presos ao pescoço, foi soltando - os com dificuldade, pois estavam enroscados uns aos outros. Ao terminar,viu diante de si um emaranhado de fios em ouro e prata e, entre eles, vários nozinhos como aquele primeiro de tempos d' outrora. Dedicou - se a desfazê - los, não por alguns  minutos, mas longas horas. Num vai e vem constante, puxando daqui e dali, com precisão e delicadeza. Viu -se como uma tecedeira, destecendo a vida. Viu -se uma parteira, propiciando a vida. Sentiu -se esfuziante com o primeiro nó desfeito. Mas, entristeceu - se quando um dos nós rompeu a corrente ao romper - se, pensou que a vida é assim; vidas também se perdem quando a pressão é demais. Lamentou -se e redobrou os cuidados. Enfim, chegou ao fim, no último nó que na verdade era o primeiro.
Desfez com facilidade aquele nó rebuscado. Depois, ficou a contemplar a correntinha arreglada, sentiu um grande alívio naquela pequena metáfora. Desfeitos os nós a vida segue. Guardou as correntinhas e sentiu -se liberta.
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 25/02/2018
Alterado em 25/02/2018
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