FRIO MEMORÁVEL
A tarde ia caindo preguiçosa, deixando o céu num azul violáceo. Quem não soubesse sobre as nuances do clima outono-inverno diria que logo a pouco uma chuva viria varrer o dia. Mas, é o frio que risca o céu de lilás. Desce como uma massa densa, invisível e seca. Põe-se como um mantô de lã fria sobre os nossos ombros e esfria mais e mais. O frio tem um cheiro, tem uma memória. Revolve lembranças, trazendo saudades e nostalgia. Traz um cheiro de algo bem doce, de um odor bem picante. Um caldo, um chá, um chocolate quente. Uma emoção perdida, um amor esquecido, uma amizade passada. Revolvo o armário em busca de agasalho, um cheiro macio vem lá do fundo. Uma echarpe, um cobertor de lã, uma manta antiga. Um abraço, um namorado. A mãe falecida. A carta não lida. Na garganta, a lágrima presa como uma represa desligada. Ainda o ano passado, estava você a meu lado. Ainda o ano passado. Enxuta a lágrima intrometida, fecho a porta do passado, junto com a do armário. A boca saliva à lembrança de uma bebida, quentão. Chegam as festas, vem junto com o frio, primeiro na imaginação. E ainda é maio. Fogueira, milho assado, festejo, cortejo. O profano e o sagrado, tudo misturado.
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 12/05/2017
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