Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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PALAVRAS AO VENTO
Meu ouvido ouve tudo até o que eu não quero. Não importa que eu esteja aqui encastelada, meu ouvido ouve. Queira eu ou não queira. É um circuito fechado de sons dissonantes, errantes. Vem subindo pelo ar, junto com o vento. Os passinhos do meu cachorro, seu tamborilar de unhas no chão. E quando silencia, pode ir procurar, algo de errado está acontecendo. Agora mesmo, enrolou-se no fio do carregador e move a cabeça de um lado para o outro como que dizendo: “de onde virá meu socorro?” Pronto, socorri. Volto para o meu tiquetaquear e escuto o lamento de um homem no bar, lá embaixo. Dez andares nos separam e escuto a história de uma mulher que chorou. Chorou muito quando voltou. Começo a imaginar coisas, histórias de traição, perdão, dissolução. O homem tem um sotaque nordestino arretado. Lembro-me de Tieta do Agreste. A voz é rouca, embargada, embriagada. Pesada. Faço um sinal da cruz e agradeço: “Graças a Deus não tenho um homem assim” o pior de ouvir muito é que quando a história corta porque o vento mudou de direção, dá vontade de saber mais. Descer e perguntar: “E aí, você perdoou?” “Não?” “Mas... E, se fosse você, ela perdoaria?” Ia querer problematizar, jogar num viés psicológico e começar a sessão de terapia. Melhor não. Melhor seria descer, sentar numa mesa bem próxima, de costas, pedi um café e ficar fingindo estar no zap. Eu iria anotando os motes, os personagens, os fatos, os arroubos, o clímax e a tensão. Tudo ia virar “notes”. Depois de uns três ou quatro cafés, botava o celular no bolso e “au revoir,mon ami!” Subia para escrever meu conto com uns toques de invenção. Mas, cadê coragem. Não a coragem de fazer o que propus, até porque eu já fiz. Já me intrometi em conversa de bar, no cinema, na fila, no ônibus. Até achava que era missão. Sabe aqueles papos sobre temas que você domina e sabe o passo a passo. É, são esses. Eu já entrava e dizia é isso ou é aquilo; faz isso ou faz aquilo. E a pessoa ficava olhando para a minha cara como quem diz: “Como assim?” E eu ainda tinha a pachorra de dizer, não entenda, faça. Desaforada. Mas, fui me dando conta que nada era da minha conta. E os facilitamentos não facilitam nada. Às vezes, você tem de quebrar a cara. Daí eu parei. Hoje, saio de perto para não ouvir. Mudo de mesa. Aumento o som para não ouvir a conversa, a confidência de amor; até porque se essa história que estou ouvindo terminar como começou; ele mais perdeu e nenhum dos dois ganhou.  

Adelaide de Paula Santos em 26/04/2017, `23:53.

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 26/04/2017
Alterado em 26/04/2017
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