Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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DIVÃ
_ Bom dia! Fique à vontade, pode se sentar no divã, por favor!
_ Bom dia... Com licença...
_ Bem... O que temos para hoje...
_ Bem... São tantas coisas... Deixa-me ver... Por onde começo...
_Qualquer ponto serve de começo.
_ É, bem... Um problema de conexão... Sabe?
_Hum, sei. Continue...
_ Não consigo me conectar... Hoje mesmo... Mas... É tão difícil.
_ É conectar-se exige identificação.
_ Pois é... Identificação... Eu não me identifico... Sabe?  
_ Você poderia dizer pelo menos uma razão para não se identificar?
_ É que eles não estão nem aí pra mim... Para os meus problemas... Sabe? Mas, quando precisam de mim... Vem com essa ideia... De todos iguais... Sabe?
_ Entendo... Continue, por favor.
_ Eu sei que no fundo eles me ignoram... Sou invisível para eles... Mas, quando vem os problemas deles... Querem que eu fique junto... Entende?
_ Deixa ver se eu entendi; você acha que eles só querem você como um número, é isso?
_ Nossa! Eu não poderia dizer melhor... É isso... Eu sou apenas um braço...
_ Sei... Continue.
_Eu me sinto meio usada... Meio como meus pais... Meus avós... Sabe?
_Como todos seus antepassados, você quer dizer?
_Nossa! Exatamente! É como se eu repetisse a história dos meus antepassados...
_Hum, continue, continue.
_Sei lá... Não me conectar é uma forma de dizer não, entende? Não só por mim...
_Como se você falasse por todas as gerações que vieram antes de você.
_Agora, você leu minha mente... É isso!
_Eu não posso me conectar aqui porque lá atrás... Sabe... É mais forte... É melhor...
_Você se sente mais conectada à sua ancestralidade que às pessoas que lhe cercam...
_Poxa! Fica tão mais fácil pensar aqui... É isso! Acho tudo tão falso aqui... A coisa do uso...
_ A relação utilitária entre as pessoas, você quer dizer...
_ Usa quando precisa... Depois despreza, sabe?
_ E, você como uma pessoa inteligente não quer servir a ninguém, não é mesmo?
_ É, doutor... Eu diria de outro jeito, mas desse jeito seu ficou ótimo para mim...
_ Pois, é... É legítimo se querer bem, querer ser tratado como gente.
_ O problema é que eles me criticam quando eu não participo... Não falo...
_Veja: participar é encontrar-se com o outro, se eles só querem usar você, eles não estão encontrando-se com você, não há como você se encontrar com eles.
_ Nossa... Eu ainda não tinha pensado assim... Mas, o que eu digo para me recusar...
_ Recuse-se apenas. Não justifique. Eles não a consideram a ponto de esperar uma justificativa.
_ É verdade...
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
_ O seu tempo está acabando, gostaria de me dizer mais alguma coisa?
_ Não... Aliás, tinha... Mas, não tenho mais... Tô me sentindo bem melhor...
_Bem, eu vou tomar um café, fique aí ouvindo o Richard Stoltzman. Semana que vem no mesmo horário, no mesmo divã. Encoste a porta quando sair.

Adelaide de Paula Santos, em 15/03/2017, às 23:37.

P.S.: Estou cuidando do meu jardim com amor e arte; para ver as flores, borboletas, joaninhas, vaga-lumes, caracóis, lagartixas e o verde por toda parte.
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 15/03/2017
Alterado em 15/03/2017
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