O QUE PARECE O FIM PODE SER APENAS O COMEÇO
Quando você vivia lá no ventre de sua mãe acreditava que aquele era o seu mundo. Lá, você recebia tudo o que necessitava e desfrutava do calor e aconchego que o ventre materno pode oferecer. Vocês eram um só mesmo sendo dois e, mesmo que ela soubesse disso todo o tempo, você não sabia. Não tinha a menor ideia do que havia fora daquele lugar, pois era essa a única percepção que você podia ter. Por volta de sete meses, como tudo correu bem, você começou a sentir um desconforto crescente. A falta de espaço reduziu seus movimentos e aquela piscina particular onde você costumava flutuar de um lado para outro, agora parecia bem menor e, perigosamente, encolhia em torno de você. Nada disso lhe era compreensível como é agora. Os eventos se seguiam aleatórios a sua vontade e você era mesmo vítima das circunstâncias. Provavelmente, você sentiu medo pela primeira vez. As reações químicas do fim da gravidez provocaram sucessivas sensações desagradáveis e, talvez, se o seu cerebelo estava em pleno funcionamento, você prematuramente sentiu o temor da morte, sem saber o que era a morte. Ao contrário do que você quisesse imaginar, as coisas não melhoraram, ficaram piores a cada novo dia. Menos espaço e mais pressão. Nesses momentos de desespero e angústia, você se agarrou às memórias que lhe conectavam com algo que lhe trazia paz e sossego. Era a sua mãe, mas você não sabia. Você apenas seguia a intuição que não sabia ser intuição. Você vivia, simples assim. Sem planos, projetos, metas ou filosofias. Não se sabia nu, nem totalmente dependente de outrem. E sozinho, agarrando-se apenas as sensações que lhe chegavam de algo maior e protetor, você passou pelo pior momento de sua vida. Durante dias, a pressão que se iniciou meses antes, não só não cessara como parecia aumentar. E, na transição de horas, você percebeu que alguma coisa lhe empurrava contra uma parede. E sentia que se algo não fosse feito você seria esmagado, mesmo não sabendo o que era ser esmagado. Você estava de ponta cabeça, desconfortável, vendo desaparecer o líquido que era a sua própria casa. Não havia o que fazer, e por não haver, você se rendia. Você se acomodava e, apenas, confiava naquela sensação de um algo maior e acolhedor. Era a sua mãe, mas você não sabia. O ápice veio naquele fatídico dia ou noite. O coração acelerado, uma respiração ofegante, um desarranjo intestinal, um suar frio e aquelas ondas de tremor que se alternavam e movimentavam toda a sua casa, comprimindo o seu corpo, que pouco a pouco doía. Você sentia dor pela primeira vez. Abruptamente, abriu-se um espaço na sua cabeça por onde todo líquido quente escorreu. Você sentiu frio. Mas você não sabia que aquilo era frio. Você estava morrendo, era o que pensava, mesmo não sabendo o que era a morte. Aos poucos, constrangido, nu e indefeso você foi sendo empurrado para fora do seu lar doce lar. Pressão, dor, sufocamento, frio. Você mergulhou em uma luz absurdamente dolorosa e incômoda, mas você não sabia o que era luz porque foi a primeira vez que você abriu os olhos. Gritos, choro, aplausos, flashes, sufocamento e dor no corpo. E, atrás de um vômito que rasgou seu peito, saiu um grito, um choro estridente e abafado. Saiu de você e você sequer sabia que ele lá dentro existia. Por muitos e muitos dias você foi torturado. A dor lhe cercava e envolvia. Por dentro e por fora, em cada minúsculo centímetro de seu corpo, a dor lhe afligia. Aos poucos você percebeu que tudo era ruim, mas havia um algo maior que lhe esquentava, acariciava e nutria. Era a sua mãe, mas você não sabia. Ela estava no comando e você não sabia. Tudo ia ficar bem, mas você não sabia. Isso era nascer, isso era viver. O mundo que foi seu mundo agora não era mais. Você precisou morrer para aquele mundo para viver o seu novo mundo. Então, desconfie e confie na sua intuição. Existe um algo maior e esse mundo é só um mundo, existe outro que você não vê. Confie na intuição mesmo sem compreender o que diz essa intuição. O que parece o fim pode ser apenas o começo.
P.S.: Eu gostaria que esse texto fosse um alento para quem passou pela perda da morte. Que por um segundo o desespero fosse substituído pela esperança e com a imaginação pudesse vislumbrar uma continuação da vida, de uma outra forma, noutra substância. Que o desespero fosse substituído pela confiança em algo superior, que eu prefiro chamar de DEUS, que está no comando e nos ampara e protege.
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 20/02/2017