A CANÇÃO QUE VEM DE DENTRO
Saiu apressada do hotel, entrou no primeiro táxi que apareceu enquanto ele tentava em vão alcançá-la. Foi a forma que encontrou para interromper a discussão estúpida que ela mesma provocara. Não sabia o porquê, mas estava absolutamente descontrolada. Sentia saudades de si mesma, de sua mansidão peculiar, da docilidade de sua voz e, sobretudo, sentia pena dele que lidava resignadamente com a sua atual mudança de humor. Estavam em Paris, em uma segunda lua de mel. Tudo seria perfeito se ela não estivesse tão fragilizada sem mesmo saber o porquê. Seria absolutamente razoável deixá-lo mostrar aquele envelope e, provavelmente, os cartões, marcadores e pôsteres que ele adorava colecionar. Tudo bem que perderiam o horário do passeio, mas agora tudo já estava mesmo perdido. Começou a sentir-se culpada, o arrependimento tomava o lugar da ira e certamente logo estaria chorando. Esse era o ritual de todos os dias nas últimas semanas. Buscava um lugar para onde ir e resolveu procurar o cadeado que prendera no parapeito do rio Sena quando da primeira vez em que estivera sozinha em Paris. O vento gelado não era convidativo, mesmo assim estava resolvida. A visão da catedral sufocou-a momentaneamente como um abraço gostoso. Lembrou-se de sua mãe. A saudade imediatamente a tomou pela mão.
Não sabia ao certo a razão de estar ali, talvez fora a canção que tocava dentro dela sem cessar. É que nos últimos tempos ouvia dentro de si uma canção tão suave e tão doce que chegava a chorar. Não era nenhuma em especial, algo que existisse, parecia mais uma lembrança, uma memória muito antiga. Mas, o fato é que estava parada à beira do rio Sena. O frio gelava seus dedos enquanto eles percorriam os cadeados presos uns aos outros na tentativa vã de permanecerem unidos. Um misto de ansiedade e desespero irrompia em seu peito. E se jamais encontrasse o cadeado que a prendeu eternamente a ele, estaria condenada a viver o “para sempre”? E se o cadeado fora destruído? Seria essa a prova de que o mal que a abatia era fruto de algo externo e não deles mesmos? Ou será que o amor tornara-se sufocante e doentio como resultado do feitiço que ela mesma fizera quando os uniu pelo ritual dos apaixonados em Paris? Começou a soluçar convulsivamente, mas em silêncio. As lágrimas inundaram sua face, sentia a si mesma como um pequeno riacho invadindo terras e vertendo sem cessar. Dentro de si a música a percorria. Via-se tomada pelas notas que brincavam com seus nervos, enquanto ondas de calor subiam e desciam pelo corpo, ignorando o vento. Caminhou devagar, pronunciando uma oração. Ele era sua vida, sua luz e não podia imaginar-se sem o seu sorriso, sem a sua presença. Suas lembranças levaram-na para longe e de volta àquela mesma cidade onde anos atrás se conheceram. O sorriso discreto, o olhar doce, os gestos comedidos, o primeiro cumprimento, as primeiras palavras. O calor do café aquecendo as mãos entrelaçadas. O beijo roubado. Os beijos concedidos. De repente, voltou a si. Uma rajada de vento levou sua echarpe e ela fez um movimento rápido para trás na tentativa de alcançá-la. Foi então que seus olhos o viram logo ali segurando o tecido e sorrindo. E aquele sorriso era a coisa mais linda que provavelmente ela vira em toda sua vida. Ela caminhou em sua direção com passos firmes e apressados e quando o alcançou, ele a abraçou tão forte e beijou-a tão apaixonadamente que ela mais uma vez pensou que além de seu companheiro, ele certamente era o seu anjo da guarda. Foi quando ele retirou do bolso do casaco o envelope amassado; ela riu como se aquilo fosse uma provocação. Ele colocou o dedo em seus lábios como um sinal de silencio e, sem dizer uma palavra sequer, retirou uma folha do envelope em que ela pode ler: POSITIVO. E, foi assim, que ela descobriu o nome da música que tocava dentro dela naqueles dias. E, claro, eles serão felizes para sempre.
The End
28/01/2017 - 39 minutos de sábado, niver da minha irmã, Andrea. Esse conto é o meu presente para ela!
Esse conto teve inspiração o filme musical "La La Land" Cantando Estações - E eu amo histórias de amor, amo cinema, amo músicas que inspiram. E, claro, amo musicais! Fiquei com vontade de sair dançando e cantando!
La La Land: Cantando Estações
Diretor: Damien Chazelle
Elenco: Emma Stone, Ryan Gosling, Finn Wittrock, J.K. Simmons
País de origem: EUA
Ano de produção: 2016
Mia (Emma Stone), uma aspirante a atriz, serve cafés para estrelas de cinema entre audições enquanto Sebastian (Ryan Gosling), um pianista de jazz, ganha a vida tocando em festas e bares. Quando suas carreiras finalmente começam a ascender, eles precisam tomar decisões que podem ameaçar seu relacionamento.
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 28/01/2017