Conselhos ao vento...
O dia amanheceu preguiçoso, demorando-se em nuvens madorrentas, emburradas como aquela moça, aquela sempre insatisfeita, apesar do sorriso plantado no rosto. Abri os olhos de soslaio e resolvi contrariar as nuvens e anunciar o dia. Ignorei o mau tempo e a moça e me levantei. “Quanta bobagem”. Viver assim, sempre se contrariando para agradar quem nem sabe de você. Para quê? Quanto a mim, aquela popular e sorridente moça continuaria do lado de lá, provavelmente, nunca trocaríamos confidências entre um cafezinho e outro. Não porque eu não gostasse dela, não. Eu nem sabia direito de sua vida, mas é que cumplicidade se constrói na intimidade, entre o prato principal e a sobremesa. Abri a cortina e bem lá longe, lá no horizonte, havia uma linha dourada, concluí que seria o sol. Ele também com preguiça adiava o amanhecer. Então pensei - se até o sol tirou um cochilo extra, o que eu estou fazendo aqui acordando o dia?
Lembrei que hoje era domingo e eu queria imitar minha amiga Vânia e ir à feira comprar um peixe, uma corvina fresca e preparar como ela fez naquele domingo em que nos encontramos. Isso, sim, fortalece a intimidade. Ir à feira? Não. Preparar junto o almoço e trocar ideias sobre o cozimento das coisas; é assim que a amizade vai passando do cru para o cozido. Assim, como a Vânia foi preparando o arroz, refogando com óleo de coco de tal forma que o cheiro subiu e invadiu a cozinha, a sala e o meu coração, e eu achei que era uma benção ter uma amiga que sabia fazer um peixe exatamente como minha mãe fazia. Eu até quis chorar, mas preferi rir porque pensei que isso era um presente de Deus e um regalo desses merece sorrisos.
Olhei o celular para ver as horas como desculpa para ler de novo as mensagens dele. Li e reli. Depois coloquei nossa playlist como todas as manhãs eu faço. Pensei “meu Deus”, o que é isso que me toma e me encanta e se enraíza por dentro; esse gostar tão impessoal e tão intenso. Fiz uma oração e pensei pela milésima vez o quanto ele me aproximou de Deus e como isso é bom. Comecei a refletir sobre o poder do sagrado em minha vida e, de como todas as pessoas que me acompanham estão conectadas a mim por meio “Dele”. Toquei nas contas do terço que ganhei de minha irmã e, enquanto rezava, pensava nas mulheres da minha família, nas meninas “Alto Astral”, de como estamos ligadas pela força divina que nos move para frente, sempre. É certo, portanto, que uma boa palavra, uma palavra cheia de vida pode transformar e tornar pessoas com gostos em comum, verdadeiros amigos. Lembrei de novo da moça e pensei, talvez, seja isso o que ela precise descobrir – não se trata de conquistar todas as pessoas – mas, de encontrar as pessoas certas para o seu pequeno e acolhedor mundo. Consegui sair do quarto e olhei de relance o cão dormindo no que era o meu escritório. Sempre tenho receio de que ele esteja morto. A morte já me pegou de surpresa uma vez e ela sabe como fazer isso e não é agradável. Ele estava dormindo tão profunda e silenciosamente que tive que acompanhar o sobe e desce da barriguinha para me assegurar da vida. Se há movimento há vida. Ou seja, movimente-se! Mas, verdade seja dita, não é o movimento em si que faz a vida, às vezes, é necessário parar, dá um tempo para si mesmo, olhar para o lado de dentro e se perguntar: “o que é que eu estou fazendo comigo?” “Que necessidade é essa de rodar feito peru bêbado em véspera de natal?” É bom largar-se de vez em quando pela casa, sozinha, sem pintura na cara e se olhar no espelho da alma para se enxergar de verdade.
Para tudo!! - Tô filósofa!! - Clariiice, me salva!
Uma chuva começou a cair de repente e pôs fim aos meus planos de feira e peixe. Fui para a cozinha e preparei um chá na minha “Eletric Kettle”, o nome da chaleira que a minha amiga chic me ensinou; minha mais recente aquisição. A chaleira! A Fê já mora no meu coração de graça. Nada como fazer um café, um chá rapidinho, sem ter que esperar horas para aquecer seu corpo. Aliás, as coisas quentes são essenciais nos dias chuvosos e frios. Muito óbvio, não é? Parece, mas não é tão óbvio assim; principalmente, quando os “dias chuvosos e frios” são metáforas. Uma sopinha, um chazinho, um café bem quente pode mudar pensamentos suicidas. Fazem toda diferença quando você está prestes a saltar a janela. Acho que quase tudo se resolve com comidinhas quentes, caldinhos, chás e cafés. Então, na próxima “fossa”, no próximo stress no trabalho ou depois daquela discussão familiar, procure algo quentinho antes de pensar em sumir da face da terra.
Domingo, domingo seja legal e passe bem devagar; melhor me enrolar nessa coberta e assistir essa chuvinha chovendo enquanto eu largo os meus conselhos ao vento...
26/01/2017 - Mormaço no ar...É pela manhã que a gente descobre por que não pode trocar a ração à toa. Ô sujeira!
Ouvindo "Amanda" Don Williams - esse cara me inspira!
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 26/01/2017
Alterado em 26/01/2017