O FEMINICÍDIO DA PERSONAGEM FEMININA NA FICÇÃO LITERÁRIA
Luisa, Emma e Capitu são personagens femininas que protagonizam as páginas de alguns dos romances mais populares do século XIX: O Primo Basílio, Madame Bovary e Dom Casmurro. Tais romances tornaram-se leitura obrigatória nas classes escolares e moldaram, por assim dizer, a moral de uma época. Eça de Queirós, Gustave Flaubert e Machado de Assis gestaram, a partir de um olhar patriarcal, os perfis de mulheres de papel.
Os enredos apresentam personagens jovens, cheias de vida, possuidoras de uma energia vital que as move para além dos limites impostos pela sociedade burguesa. Essas características criam no leitor uma falsa impressão de empoderamento feminino. Porém, ao longo das histórias, um juízo de valor falocêntrico se encarrega de puni-las, perpetuando um ideário machista. As personagens são tragadas por tramas que culpabilizam seu desejo.
Reféns de casamentos fracassados, buscam a felicidade a seu modo. Luisa entrega-se à sedução do primo que supre a ausência do marido. Emma, entediada com a rotina e a solidão, sobrevive de pequenas aventuras amorosas. Diferentemente das personagens de Eça e Flaubert, que têm sua infidelidade exposta, não há uma linha sequer que culpabilize Capitu no romance de Machado. Ela é vítima da obsessão de Bentinho que projeta na esposa os temores de um ciúme doentio. No entanto, ainda há leitores que a consideram adúltera, mesmo na ausência de provas cabais, ou seja, descrições da infidelidade no próprio texto machadiano.
Os desfechos previsíveis confirmam os valores da época e punem o adultério com a morte. Luisa, Ema e Capitu pagam com a vida os caminhos que seguiram e, ressalte-se, caminhos escolhidos pelos homens que as criaram. Morrem. Não pelas mãos de seus maridos, mas pelas mãos de seus criadores, que liquidam suas personagens por meio de enfermidades e suicídio. A reiteração dessa prática literária sugere uma espécie de ódio às mulheres que ousam confrontar valores patriarcais. Fica a reflexão: a arte imita a vida ou a vida conspira com arte?
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 21/07/2016
Alterado em 22/07/2016