Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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Nada dura tanto, exceto a mudança


     Sempre me recusei a trabalhar aos sábados, isto porque em meu primeiro emprego cumpríamos uma carga de trabalho que incluía todos os sábados. Era em uma loja do comércio local da minha cidade, Taguatinga, e eu era estilista. A loja se chamava Kenya Tecidos e pertencia a seu Odair Rosa, o pai do ator Murilo Rosa.
     Bem, esta última informação não tem objetivo algum neste relato a não ser glomourizar minha curtíssima carreira no mundo das artes. A verdade é que eu ficava lá na porta da loja, quando sobrava um tempinho entre um desenho e outro, olhando para os transeuntes que circulavam sem lenço e sem documento. Naqueles instantes, eu me sentia como um passarinho engaiolado, assistindo pelas grades de sua prisão dourada a revoada de seus co-irmãos.
     Geralmente, era aos sábados que minha família se reunia e eu nunca estava lá para compartilhar de suas companhias. E eu gostava de estar com eles e me fazia bem poder vê-los descompromissados de suas obrigações cotidianas.
     Era bom ver meu pai, um serralheiro pacato, sentar-se com meu irmão, um estudante aplicado do Ensino Médio, e ensinar-lhe os nomes e as medidas dos ferros que ele forjava no fogo para fazer portas e janelas, enfeitadas com lindos desenhos perfeitamente simétricos. E eu do meu canto me perguntava: “_Como um homem simples do interior, cuja formação restringia-se ao primário, poderia dominar conceitos tão variados sobre geometria, estética, álgebra e tantos outros necessários ao seu fazer diário?”
     Hoje eu compreendo perfeitamente o processo que se dava com meu pai, pois ao sair da loja iniciei minha carreira como educadora. E dentre tantas descobertas, aprendi que aquilo que eu ansiava, ou seja, ter tempo para mim mesma, para os meus, para processar idéias e sentimentos, fazia parte do desejo e necessidade inerente ao ser humano pelo ócio criativo. Muitas coisas eu fiz, enquanto estava sem nada a fazer.
     Ciente disso, eu resolvi dedicar meus finais de semana para estar onde me aprouvesse o ócio criativo. E poucas vezes abri mão desse luxo e, quando o fiz, foi por outros bons motivos.
      Assim, num dia como hoje, nublado, chuvoso e frio, eu jamais largaria o meu cantinho acolhedor por coisa que não valesse. Certamente, ficaria lagarteando na cama, com uma caneca de leite com canela na cabeceira e um bom livro no colo. Esticaria a manhã até as duas da tarde e o almoço até as cinco.
      No entanto, eu saí da cama e fui ao encontro de algo que me parecia melhor, e qual não foi minha surpresa, ao ver subitamente, como naquela poesia de Vinícius, o riso se fazer pranto. (...) Perde-se muita energia sentindo, imaginando e remoendo o que de forma alguma nos levará a bom caminho.
    Voltei para casa sentindo-me péssima emocionalmente e fisicamente. Poderia ir direto ao hospital, que certamente algum médico atestaria o meu estado doentio por meio do quadro clínico que se apresentava: dores pelo corpo, aperto no coração, taquicardia, olhos inchados, choro compulsivo, desânimo irreversível.
     Perdi minha manhã e a oportunidade de estar com minha família; receber a benção de minha avó, ver minha mãe tecer seu tapete arraiolo e meu sobrinho me contar, naquela língua dos bebês, sua rotina na escolinha. Não dava para aparecer por lá com a cara de quem foi atropelada, não por um veículo, mas pelas ciladas do discurso.
      Em casa reli o pensamento zen que li logo pela manhã: “Nada dura tanto, exceto a mudança”
E é nesse espírito que sigo, esperando que essa dor cesse logo dentro de mim...
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 29/11/2011
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