Adelaide Paula
A Literatura é o traje mais sofisticado que alguém pode vestir.
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O texto das referências...
Ela adentrou a rua aplaudida pelo sol, mesmo que o dia já tardasse. Naquela hora em que os transeuntes do passeio público já retornam às suas casas, depois de um dia de frenesi. Bem nessa hora, quando a noite começa a dar sinal e a preguiça dos corpos se debruça sobre o gradil das janelas.
Nesse exato momento, como um último suspiro, o último raio de sol do dia, a contragosto de nuvens modorrentas, deu-lhe um beijo de luz. E ficou sobre ela o tempo suficiente para atrair os sentidos dos viventes do vilarejo. Por um átimo, as vis criaturas puderam contemplar o esplendor na figura de mulher. Mais que isso, cada um, a partir de sua ciência, pode se certificar que ela era, de fato, a encarnação daquilo que se diz bom, belo e verdadeiro.
A parada cinematográfica para ajeitar a alça da blusa, seguida de movimentos esporádicos do corpo dela, inflava pupilas homicidas, aguava bocas anciãs, franzia frontes femininas. De fêmeas outras, que de tão difusas no talhe e ocas na essência, se distinguiam como se de outra espécie fossem. E eram. Eram o expurgo do artífice, que em seu treino diário, na busca pela perfeição, espalhava pelo ateliê pedaços rotos de madeira ferida pela inexperiência.
O tesouro da vila, alguém pensava. A flor do mangue, outros imaginavam. A virgem da redenção, os devotos criam. A primeira da nova geração; como queriam os visionários. Um poeta febril, tomado pelo ácido gim, gritava trechos de um famoso poeta do Romantismo: É ela! É ela! É ela! E ela se ria.
E sorrindo demonstrava sua pureza. Ela não se sabia bela, tesouro, flor ou deusa. Era pura, de uma pureza indefinível por Aurélio Buarque de Holanda. Ele, o Buarque, certamente corrompido pelo claustro de uma língua essencialmente mundana, não saberia dicionarizar tal pureza. E ninguém naquele rincão desejaria isso. Defini-la em Língua Portuguesa macularia a essência de deus. Ela viveria melhor no mundo das ideias, onde as possibilidades nunca se esgotam.
Talvez, quem sabe, se existisse lá para as bandas do norte, onde a terra ainda não se fez por completo, onde a língua ainda se banha noutras línguas e se suja nas águas dos rios amazonenses. Se existisse um indianista, quem sabe, afeito aos estudos das belezas não óbvias e, no entanto, não menos valiosas, quem sabe fosse interessante tentar decifrá-la.
Quem sabe.
    
Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 24/10/2011
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